A pandemia da COVID-19 e o capitalismo
- Lara Beatriz
- 4 de dez. de 2023
- 4 min de leitura
Não é novidade para ninguém o desequilíbrio existente entre as relações da espécie humana e a natureza. Devido ao crescimento demográfico desenfreado o ser humano começou a invadir espaços que não deveria invadir. Paralelamente, as populações em crescimento, em algum momento, encontram limites ambientais que causam a redução na taxa de crescimento. Foi o que aconteceu na China, o país mais populoso do mundo com mais de 1 bilhão de pessoas. O SARS-CoV-2 (coronavírus), o vírus causador da COVID-19, que antes só infectava animais, passa agora a infectar os seres humanos. Dessa forma, lugares como a China e Índia, por exemplo, por terem uma grande população, tornam-se mais suscetíveis ao surgimento de pandemias. O coronavírus surgiu de um desequilíbrio ecológico que a sociedade mundial causou. Logo, a pandemia é uma resposta biológica do planeta. A Terra é como organismo vivo e vai responder a estímulos das ações da população.
Com a pandemia da Covid-19, novas percepções foram observadas acerca do sistema capitalista, que é condicionada na sociedade contemporânea. A crise propagada na atualidade nada mais é do que o cenário normal saindo de debaixo dos panos. É possível perceber as deficiências do Estado sendo expostas por essa pandemia, mas nada que já não existisse antes. É o que afirma Boaventura de Sousa Santos em seu livro “A cruel pedagogia do Vírus”.
Um Estado cheio de furos, maquiado pela comodidade e pelo poder simbólico, no que diz respeito à normalização da hierarquia social, é apresentado nessa nova configuração. A desigualdade social que sempre existiu agora começa a ser sentida, sendo as pessoas em situação de vulnerabilidade as mais impactadas. O mundo não estava preparado para uma pandemia, tanto estruturalmente como socialmente. Nesse sentido, a postura cultural e ideológica, advinda da história da humanidade, é reforçada na atual crise: o patriarcado, o racismo estrutural e a desigualdade social. Boaventura insere a pandemia do capitalismo, onde as medidas adotadas têm aumentado ainda mais o abismo social entre os mais ricos e os mais pobres. Em meio à crise, muitas pessoas seguem sem acesso à saúde, vivendo sem condições de higiene básica: água e sabão, materiais fundamentais no combate à pandemia da COVID-19, fazem falta para a maioria; pessoas estão perdendo os seus empregos ou se arriscando para sobreviver; o isolamento social hoje é o terror de mulheres e crianças que sofrem violência dentro de casa. E quem não tem casa? A situação só piora a partir daí. A culpa não pode recair somente em um fator.
No Brasil, a COVID-19 chegou por meio dos aeroportos: pessoas vindas de todos os lugares do mundo desembarcaram no país e trouxeram o vírus junto com eles. Algumas pessoas infectadas não assustaram o governo no início, mas rapidamente o vírus infectou milhares de pessoas, o que gerou uma preocupação imediata dias mais tarde. Enquanto a ciência insistia em medidas protetivas como máscaras e isolamento social, o governo propagava tranquilidade e a inexistência dos fatos. Entretanto, autoridades competentes pressionaram pela quarentena, e o Brasil parou.
A saúde pública brasileira não estava preparada para receber tantas pessoas doentes ao mesmo tempo, e isso reforçou ainda mais a decisão pelas medidas protetivas estabelecidas. Algo semelhante com o fim do mundo começou a acontecer: as prateleiras dos supermercados esvaziaram rapidamente, houve o aumento no preço de máscaras e álcool em gel e pessoas desesperadas e presas dentro de casa. A desinformação intensificou a situação e colocou mais pessoas em risco. Um vírus invisível que parecia não estar fazendo nada demais instalou o caos no país. Os números alarmantes de casos e mais casos de doentes e mortos pareciam ser um exagero da imprensa, mas era a informação mais fiel de como o mundo se comportava lá fora. Pessoas isoladas dentro de casa e outros sem a opção de escolher, profissionais de saúde arriscaram as suas próprias vidas para salvar outras.
Empatia, solidariedade, fake news, saúde mental, quarentena, EAD e outras palavras, marcaram e ainda marcam esse período assustador. Questões foram levantadas, atitudes foram repensadas e soluções foram encontradas. O mundo parou e ao mesmo tempo agiu. Em pouco tempo decodificaram o vírus da COVID-19 e começaram a estudar a criação de uma vacina. Várias vacinas. A ciência mostrou a sua importância. A saúde pública mostrou o seus furos. O capitalismo reforçou o abismo entre pobres e ricos. E a pandemia nos fez buscar alternativas para continuar.
Nesse contexto, as populações desfavorecidas e marginalizadas correm maior risco de serem infectadas. Os desafios cotidianos de uma vida precária podem superar as percepções apresentadas pela pandemia do coronavírus. “A pandemia não mata tão indiscriminadamente quanto se julga”, a intensificação da pandemia se dá a partir das condições da população e ao que elas têm acesso. A crise pandêmica não se limita à crise no sistema de saúde, ela vai muito além. Essa percepção, além de ser pontuada por Boaventura, também foi um assunto apresentado na Carta Aberta à Organização das Nações Unidas, entregada ao secretário geral da ONU, Antônio Guterres. “A magnitude do impacto dessa pandemia requer intervenções corajosas para proteger os mais necessitados”.
Saindo de uma fase extremamente assustadora, com vacina, expectativas de dias melhores e uma população completamente adaptada ao caos, a pandemia trouxe a visão de mundo que era preciso e apontou onde é preciso melhorar. Basta agora saber se o Estado saberá aproveitar essas informações.
Portanto, Boaventura sugere uma mudança que sustente a solução política, econômica e social, garantindo a continuidade da vida humana no planeta. Não apenas um plano de governo que minimize os fatores existentes atualmente, mas que corte o problema pela raiz. A pandemia é uma resposta direta as atitudes capitalistas, e se não forem reavaliadas é esperado que uma nova crise se manifeste no mundo. É preciso construir uma sociedade mais humilde e gentil com a vida do planeta terra, o que evitaria futuros desastres e a perpetuação da humanidade na Terra.
REFERÊNCIAS
Bourdieu P. O poder simbólico. 15ª Edição. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil; 2011.
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A importância das Ciências Humanas na pesquisa e combate às pandemias. [Internet]. 2020 [acessado 2020 Dez 20]. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/a-importancia-das-ciencias-humanas-na-pesquisa-e-combate-as-pandemias
Souza, Boaventura Santos. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina, S.A., 2020.
Carta aberta à Organização das Nações Unidas Iniquidade em Saúde durante a Pandemia: um Grito por Liderança Ética Global. Sociedade brasileira para o progresso da ciência, SBPC. 2020 [Acessado em 23 de fevereiro de 2022]. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/carta-aberta-a-organizacao-das-nacoes-unidas-iniquidade-em-saude-durante-a-pandemia-um-grito-por-lideranca-etica-global
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